Aras garante mais dois anos na PGR e não desiste de briga por vaga no STF

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Em meio a uma enorme pressão, o procurador-geral da República, Augus­to Aras, passou pelo crivo do Senado na terça 24, com relativa folga (foram 55 votos a 10 pela sua recondução), garantindo mais dois anos no cargo. Escolhido por Bolsonaro, Aras é um nome que agrada à classe política, da direita à esquerda, principalmente pela maneira como enquadrou a Lava-Jato, e tem o apoio de boa parte dos ministros do STF. Enfrenta, porém, uma série de críticas, inclusive dentro do órgão que comanda, como a de que é omisso em relação ao presidente no momento em que o capitão namora com o golpismo e adota um comportamento irresponsável em relação à pandemia.

Embora a aprovação de Aras fosse dada como certa, o trabalho pela recondução foi intenso. Ele conversou com mais de setenta dos 81 senadores, boa parte disso presencialmente, apresentando-se em todas as ocasiões como um cumpridor da Constituição e das leis. O mote que adotou tem dois propósitos: rechaçar, claro, a acusação de que se omite em relação a Bolsonaro (“Não entro no jogo político”, costuma declarar) e se diferenciar de seus antecessores, especialmente Rodrigo Janot, símbolo da era Lava-Jato na PGR (“Não podemos criminalizar a política”, diz com frequência). É com esse perfil que ele conquistou parlamentares, sempre enfatizando que não faz operações policiais espetaculosas, não vaza inquéritos sigilosos e respeita as garantias dos investigados. Quem melhor traduziu a imagem que o PGR busca passar foi o ministro Dias Toffoli, em discurso no Conselho Nacional de Justiça em 2020: “Aras tem sido uma pessoa que, neste momento por que o país passa, tem tido muita prudência, atuado com muita parcimônia, do ponto de vista a não trazer problemas, exercendo as suas funções com altivez, mas sem, como num passado infelizmente recente, fazer holofotes”.

DUPLA - Nunes Marques e Mendonça: um já está no STF, o outro tenta chegar lá –Pedro Ladeira/Folhapress/.

Embora no mundo jurídico, inclusive entre ministros do Supremo, haja uma expectativa de que Aras possa endurecer com Bolsonaro no novo mandato, o PGR diz que fará uma gestão de continuidade. Os críticos internos, para ele, são apenas um “pequeno grupo” de pessoas que ocuparam cargos de direção nos últimos anos e estão ressentidas. No início da pandemia, um núcleo de subprocuradores-gerais pediu a ele que recomendasse a Bolsonaro a adoção de critérios científicos em iniciativas sobre a Covid. Aras rejeitou a ação. A justificativa foi a de que ele não tinha instrumentos legais para obrigar o presidente a cumprir esse tipo de recomendação. Dentro dessa visão, declarações negacionistas não são tipificadas como crime e, na esfera cível, não há ação de improbidade contra presidente da República — a acusação deveria ser de crime de responsabilidade, que, apesar do nome, não corre na Justiça, e sim no Congresso, com a abertura do impeachment. “A PGR não é casa de solução política. Quem quiser cassar presidente que vá ao Congresso”, dizia ele à época.

Segundo os críticos, esse palavrório revestido de garantismo jurídico é só uma nuvem de fumaça para esconder o objetivo de defender Bolsonaro a todo custo. Além da ação dos subprocuradores, há uma centena de outros pedidos, apresentados por políticos, entidades respeitadas e juristas, apontando supostos crimes de Bolsonaro na pandemia. A despeito de a PGR abrir apurações preliminares, nenhuma evoluiu para um inquérito no Supremo. A numerosa sequência de arquivamentos fez colar no PGR o rótulo de bolsonarista. O incômodo chegou ao ponto de dois senadores acionarem o STF para abrir uma investigação contra Aras por prevaricação. No último dia 23, no entanto, o ministro Alexandre de Moraes arquivou o pedido.

Nesse contexto, é grande a expectativa sobre o encaminhamento que Aras dará ao relatório da CPI da Pandemia, que deve apontar indícios de crimes do presidente. Até receber o documento, previsto para setembro, ele diz que não pode antecipar seu juízo. “A mim compete examinar somente a existência de crimes comuns, não de crimes de responsabilidade”, diz, usando a velha estratégia de devolver a bola ao Congresso, onde a abertura de um processo de impeachment pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é improvável.

FAVORITA - Lindora Araújo: subprocuradora-geral é cotada para substituir Aras caso ele consiga virar ministro do STF –Gil Ferreira/Agência CNJ/.

Para os detratores de Aras, o comportamento subserviente em relação a Bolsonaro é motivado pelas ambições políticas do PGR, que não se encerraram com o esforço dele para chegar ao segundo mandato. Embora as chances sejam remotíssimas a esta altura do campeonato, Aras continua de olho na vaga em aberto no STF, seu principal objetivo. Ele não se conformou em ter perdido a indicação para o ex-advogado-geral da União André Mendonça e espera por uma reviravolta no caso. As esperanças reacenderam quando as trombadas do presidente colocaram na geladeira o agendamento da sabatina de Mendonça no Senado para a aprovação dele ao Supremo. Outro postulante ao cargo, o presidente do STJ, Humberto Martins, também não jogou a toalha.

Enquanto seus rivais não dão a disputa por encerrada, Mendonça tenta driblar as atuais dificuldades. Até aqui, sua campanha foi solitária junto aos senadores, sem o apoio do Palácio do Planalto, mas seu currículo inegavelmente terá um peso grande no processo. Além de preencher a condição imposta por Bolsonaro ao cargo (o de ser “terrivelmente evangélico”), Mendonça tem, sim, qualificação técnica para ocupar uma vaga no STF. Mesmo que improvável, a chance de um revés na indicação gera hoje um efeito dominó, mexendo não apenas com as expectativas de Aras e Martins. Considerando a hipótese de Mendonça levar uma bola preta do Senado e o atual PGR emplacar na vaga, a subprocuradora-geral Lindora Araújo, braço direito de Aras, tem mostrado que ambiciona a cadeira do chefe. Há duas semanas, ela arquivou uma representação contra Bolsonaro por não usar máscara e pôs em xeque a eficácia do equipamento. Nos bastidores do MP, comenta-se que tais gestos não ocorreram por acaso neste momento. Seriam sinais emitidos por Lindora de que ela tem a disposição de não criar embaraços ao presidente, o que a tornaria confiável para uma futura indicação ao comando da PGR. Sonhar, enfim, não custa nada.

Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753

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