Blogueiras da autoestima prestam um desserviço aos adolescentes com o papinho de aceitação

schimtz
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Uma pesquisa recente informa que redes sociais prejudicam a saúde mental de adolescentes. Excesso de competições, comparações e padrões estéticos altos, utópicos e inalcançáveis. Eu diria que a saúde mental de um adolescente já é prejudicada de nascença. Um adolescente é uma gelatina em forma de personalidade. Nem adulto nem criança, aprende os primeiros esboços de desejos do que quererá ser. Tem uma consciência já prejudicada pela própria condição de gelatina que apreende e suga como uma esponja as influências do meio. Contesta pais e autoridades em sua egolatria. Povoado de hormônios, tem o auge de sua sexualidade, em geral, apertada pela falta de dinheiro, ou alargada por um meio de extrema vulgarização do meio social contemporâneo em que vivemos. Adolescer, ou seja, crescer, nesta fase da vida, é horrível.

Mas este é um problema ancestral: as competições, as comparações, o escárnio, os grupos sectários e o bullying existem, sempre existiram para além das redomas da rede social. Sempre há alguém mais belo, mais forte, mais interessante que você no meio em que vive. Seja numa aldeia, num bairro, numa cidade. As redes sociais só fizeram catapultar este processo, que é, na verdade, simplesmente o processo de amadurecimento. A percepção de que o mundo é injusto é o principal condimento para o amadurecimento individual. Levar cacetada da vida amadurece. Se proteger em redoma joga a adolescência para a fase adulta. E o que mais temos por aí são adolescentes adultos mimados por este paternalismo politicamente correto que quer fazer uma assepsia na alma humana. Geração de ressentidos com o mundo porque o mundo não os tratou como deveria. O mundo não trata ninguém bem, creia. O buraco das redes sociais é mais embaixo. O buraco é a solução dada para um problema natural do amadurecimento, que é pior que a causa do amadurecimento: a famigerada autoestima, apresentada de forma superficial para adolescentes de todas as idades, nada mais é do que a tradução viva de um narcisismo vazio.

As blogueiras da autoestima ensinam, por exemplo, que a aceitação de um padrão singular de beleza é o caminho para a superação. É inverdade: os signos de beleza física são muito ostensivos: a proporção da fisionomia, os moldes anatômicos de signo de fecundidade em homens e mulheres. Há gente mais ou menos desejável fisicamente. Há gente bonita e gente feia. Os moldes e padrões estéticos variam, claro, mas há sinais evidentes de signos de beleza e feiura. E, na internet, ficamos conhecendo globalmente o que há de mais desejável e inalcançável. Ficamos sabendo que a natureza material das coisas é injustíssima. Quer seja em saber que existe gente mais bonita, mais competente, mais bela e muito mais famosa e célebre que você (às vezes por razões até injustas). Aquele comediante ou político ou cantor medíocre que ocupa o espaço de artistas talentosos, por exemplo. A vida é permanentemente injusta. Encobrir a injustiça com pressupostos de falsa autoestima não vai adiantar nada.

O conceito de autoestima é uma praga que invadiu as comunidades virtuais. Noventa e nove por cento desta praga é voltada para o próprio corpo. A aceitação do próprio corpo é uma maneira de sacralizar o corpo. Teu corpo vira um templo inviolável, sem espírito. No plano físico, isso começou na revolução sexual e com a perda de um princípio de transcendência, de religiosidade. Quando você perde o contato com uma moral religiosa que trata o corpo como unidade de segunda categoria, cria-se a sacralização da matéria. Na dimensão religiosa, cria-se uma moral espiritual em que você se interessa menos pela aparência física das coisas e treina melhor a sua personalidade na doação em vez de se ficar olhando eternamente no espelho. Você está no mundo, mas o mundo não mais comanda você quando tem uma moral espiritual. Começa a perceber a beleza das verdades imutáveis, da realidade de sacrifício em nome de um bem maior; começa a perceber que autoestima é a estima que se tem pelo trabalho que se exerce em nome do outro, em nome da comunidade, por exemplo. Segue com seus apetites sexuais, com sua vaidade física, as pulsões de ódio e ressentimento, mas sabe identificar estes vícios de maneira mais clara. Nada disso é mencionado pela blogueiragem de autoestima. A didática da autoestima é aceitação do corpo pelo corpo. Um corpo é um manancial de hormônios e desejos físicos nunca totalmente saciados. Nunca. A didática da autoestima virtual é a falsa resposta de uma competição contra si mesmo que sempre será injusta.

A natureza humana é dual. Ela pode prescindir em alguma medida de desejos físicos em nome de desejos plenos: o da busca pela verdade, por exemplo; a busca por uma unidade de comunidade, por exemplo; busca por uma agregação de pessoas independente de suas comunidades étnicas, de preferência sexual, por exemplo; a busca por identificação de propósitos de uma união em família, criação de filhos, por exemplo. Tentar resolver utopicamente um mundo injusto é educar para que a pessoa tente ser justa no mundo injusto, é ensinar a beleza do sacrifício, do trabalho em prol do outro. Educar para a adoração do próprio corpo só piora; educar para não levar cacetada do destino, de pessoas, de patrões abusivos, de namorados abusivos, é dar um problema a mais na configuração das coisas. O mundo é uma merda injusta, aceite. A solução total para a competição injusta de corpos e personalidades não existe. Nunca existiu e nunca existirá. A internet apenas escancarou o problema. A vida é uma competição injusta no mais das vezes. O prolema maior é ensinar uma reação ao problema que é pior que o problema.

Para gostar de se viver, é necessário um certo desprezo pelas coisas materiais da vida, é necessário um certo desprezo consciente por sua aparência, por sua libido, por sua fome de autoafirmação. Desprezo pelo mundo e apreço pelas pessoas – sejam elas injustas como você, mesquinhas como você, ressentidas como você, feias como você. O mundo não é bonito. O mundo é feio até em sua aparência de beleza. O que forja a beleza do mundo é a misericórdia, é a contemplação da miséria humana compartilhada por todos nós e a tentativa de superação desta miséria, através da ação que se faz pelo outro. Um aceno, um pão, um beijo, uma oração, a ação politica de um estadista, uma palavra de carinho, uma conversa, que seja. Quando enxergamos nossas limitações, temos a grandeza de enxergar as limitações de todos. Ninguém é pleno. O que dá sabor à vida é a falta de plenitude em nosso estado precário. Saber que a gostosa do Instagram tem hemorroida na alma e dar um remédio pra ela. Saber que o nerd virgem aos 48 anos existe e tentar ajudá-lo a conquistar alguém. Pequenas coisas, grandes coisas. Mas não ensinar ao feio ou ao menos belo ou ao belo com dismorfia a se olhar no espelho em busca de uma narcísica autoestima. Assim, conseguimos sair de nosso narcisismo, trabalhando para dar a mão a uma outra pessoa, para torná-la menos miserável. Fuja deste papo de autoestima. Tenha estima pela humanidade estranha que você carrega e enxerga em todos em seu redor.

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