Lei Maria da Penha: pedidos de medidas protetivas aumentam 14% no 1º semestre de 2021 no Brasil; medidas negadas também crescem

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A cada hora, 45 medidas protetivas foram solicitadas em 2021. Números apontam que pedidos motivados por violência doméstica caíram no início da pandemia, mas voltaram a crescer depois. Vítimas afirmam que maior tempo de convivência e crise econômica pioraram a situação com os agressores dentro de casa. Legislação completa 15 anos neste sábado (7). Monitor da Violência: Mulheres que denunciam
Renata* e o namorado ficaram desempregados durante a pandemia. Para ela, o relacionamento já tinha acabado. As discussões e agressões eram constantes. Mas, com uma filha de 9 anos para cuidar e sem nenhuma fonte de renda, ela se viu sem ter para onde ir. A decisão de chamar a Guarda Municipal veio apenas em um dia em que ela achou que fosse morrer.
Joana* já fez vários boletins de ocorrência contra o marido, mas sempre voltou para casa por pena dele. Desde o ano passado, a situação piorou. Sob o efeito de drogas, o marido a agredia, ameaçava e perseguia a sua família. Ele falava que a polícia não iria fazer nada, principalmente durante a pandemia. Joana pegou os três filhos, pediu uma medida protetiva e se abrigou em uma casa voltada para vítimas de violência.
Maria* era proibida pelo companheiro de sair, usar roupas curtas e passar maquiagem. Também era estuprada — inclusive na frente do filho de 10 anos. Ela conversava com familiares sobre a situação, mas não via saída. O socorro veio por meio da escola do seu filho, que ficou sabendo da situação e a ajudou a sair de casa.
Renata, Joana e Maria são apenas algumas das milhares de mulheres que foram vítimas de violência doméstica nos últimos meses em todo o Brasil.
Um levantamento do Monitor da Violência aponta que o número de pedidos de medidas protetivas aumentou 14% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram mais de 190 mil pedidos de janeiro a junho de 2021, contra cerca de 170 mil do ano passado.
Isso significa que uma medida protetiva foi pedida a cada 80 segundos no Brasil. A cada hora, são solicitadas 45 medidas protetivas. Este número, na realidade, é ainda mais alto, já que não foram considerados os dados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.
Também houve um aumento de 15% no número de medidas protetivas concedidas. Porém, ao mesmo tempo, o número de medidas que foram negadas cresceu 14%, e o de revogadas, ou seja, que foram suspensas, aumentou 41%.
As medidas protetivas são um instrumento legal previsto na Lei Maria da Penha, que completa 15 anos neste sábado (7), para garantir a segurança da mulher e da sua família. Os tipos mais comuns pedem o afastamento do agressor da vítima e da casa e a proibição de qualquer tipo de contato com ela.
DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS: Dias de pavor e a busca pela ajuda: conheça histórias de mulheres que denunciaram a violência doméstica durante a pandemia
INICIATIVAS: Quatro iniciativas para o combate à violência contra a mulher; veja como elas funcionam
ANÁLISE DO FBSP: A emergência da violência doméstica na pandemia: 1 medida protetiva de urgência concedida a cada 2 minutos
ANÁLISE DO NEV-USP: Medidas protetivas na luta contra a violência doméstica
METODOLOGIA: Monitor da Violência
Medidas protetivas no Brasil: comparação do 1º semestre de 2021 com o mesmo período de 2020
Élcio Horiuchi/G1
O levantamento aponta que:
Mais de 190 mil medidas protetivas foram solicitadas no 1º semestre de 2021, um aumento de 14% em relação ao mesmo período do ano passado
Dois estados tiveram alta acima de 50%: Alagoas e Paraíba
O número de medidas protetivas concedidas aumentou 15% no período, passando de 132 mil para 152 mil
Ao mesmo tempo, as medidas negadas também cresceram 14%
Quatro estados tiveram mais de 90% de aumento: AC, AP, PA e RO
A maior alta no semestre foi registrada no número de medidas revogadas: 41%
Os maiores aumentos foram encontradas no RN e no TO
Os dados foram levantados pelo G1 via assessorias de imprensa dos Tribunais de Justiça de todos os estados do país e por meio da Lei de Acesso à Informação.
O Monitor da Violência, criado em 2017, é resultado de uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Violência doméstica na pandemia
Os meses iniciais da pandemia, com a implementação de medidas de quarentena e com alterações nos funcionamentos de órgãos públicos, tiveram uma queda expressiva no número de medidas protetivas solicitadas.
Em janeiro de 2020, quando o país ainda funcionava normalmente, foram registrados cerca de 37 mil pedidos. Em março, que foi o mês em que os estados começaram a adotar políticas de isolamento social, o número caiu para 28,4 mil, e em abril, chegou a 22,4 mil, dado mais baixo de todo o ano.
A situação apenas começou a se normalizar em junho, quando os órgãos públicos passaram a implementar medidas para conseguir alcançar as vítimas em suas casas, mesmo que a distância, e quando as medidas de quarentena e isolamento começaram a ser flexibilizadas. Desde então, os números se mantiveram elevados, muito próximos ou acima dos 30 mil pedidos por mês.
O efeito da pandemia da Covid-19: número mensal de medidas protetivas solicitadas no Brasil
Élcio Horiuchi/G1
Para Debora Piccirillo, do NEV-USP, o dado não é surpreendente. “Pesquisas e dados oficiais de diversos países têm indicado que o período da pandemia de Covid-19 revelou um aumento das agressões físicas, psicológicas e sexuais contra as mulheres. Se há mais situações de violência doméstica, é possível que se aumente também a busca por serviços de proteção, apesar da dificuldade em acessá-los durante o período de restrições”, afirma.
Ela também destaca que as medidas protetivas são “elementos fundamentais na proteção das mulheres em situação de violência doméstica”.
“A Lei Maria da Penha criou dispositivos tanto de prevenção dessa forma de violência, quanto de proteção às mulheres vítimas. As medidas protetivas de urgência podem ser concedidas pelo juiz em até 48 horas após o pedido da mulher agredida, e pode ser determinadas inclusive antes da audiência com as partes, caso seja verificado risco à vida, à integridade física ou psicológica da mulher”, ela explica.
Rita de Cássia, fundadora da Casa Help, que fornece abrigo para mulheres vítimas de violência há 16 anos no litoral de São Paulo, também diz que a medida protetiva é importante porque inibe o agressor e protege a mulher. “Quando a vítima precisa fazer um pedido de socorro, se ela relata que já tem um boletim de ocorrência com uma medida protetiva, a tratativa é diferenciada, e o atendimento costuma ser um pouco mais rápido.”
Por isso, segundo ela, é tão importante que as vítimas consigam ter acesso aos meios para não apenas fazer o registro do crime, mas também conseguir pedir a medida protetiva — o que é feito nas delegacias.
Durante a pandemia, porém, de uma forma geral, os Tribunais de Justiça do país e os órgãos públicos reconhecem que houve dificuldade de acesso ao sistema de Justiça e aos demais serviços da rede de atendimento. Além disso, as medidas de isolamento também agravaram o cenário de violência contra as mulheres, como vários tribunais afirmam.
“A subnotificação de casos foi constatada nas unidades policiais e judiciárias, pois o confinamento, difícil para todos, é grave para as mulheres que vivem relações violentas, porque o domicílio comum é local onde ocorrem as agressões”, diz o TJ-SP em nota.
Rita também complementa que a crise econômica que atingiu o país durante a pandemia colaborou para piorar a situação.
“Dentro do ciclo familiar, gerou-se o desemprego, a falta de alimento e de estrutura para o pagamento de contas fixas, e isso vai gerando um fluxo enorme de agressivamente. Então, às vezes, situações que eram apenas de violência psicológica e moral passam para a violência física”, diz.
Por isso, com as subnotificações e com o agravamento dos casos de violência, os tribunais e os órgãos de segurança pública tiveram que se adaptar às novas circunstâncias.
“A pandemia é um dos maiores desafios para criar estratégias dentro desse contexto. A gente sempre fala: é uma pandemia dentro de outra pandemia, pois a violência doméstica já é alta”, afirma a delegada Renata Matias, da Polícia Civil da Paraíba.
Matias diz que, por conta desse contexto, passou a ser possível a vítima fazer o registro da violência doméstica por meio da delegacia digital no estado. “A vítima também pode solicitar a medida protetiva por meio desse registro. Tudo com o mesmo cuidado do atendimento presencial”, diz.
No TJ-PR, também houve a recomendação da adoção de meios de comunicação, notificação e intimação das pessoas envolvidas no caso de violência por vias digitais, bem como a realização de campanhas para informar sobre as formas de proteção e de atendimento às vítimas.
Em vários estados, os magistrados foram orientados a prorrogar as medidas protetivas de urgência nos períodos em que a Justiça funcionou em regime de plantão extraordinário. Diversos tribunais também passaram a prestar atendimento psicológico de forma digital e a fazer audiências virtuais, como o TJ-RR. (Veja abaixo as principais medidas tomadas pelos tribunais)
Mais feminicídios e subnotificação
Mesmo com estas medidas, porém, os números apontam que a violência contra a mulher seguiu crescendo durante a pandemia. Segundo dados do 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de vítimas de feminicídio foi recorde em 2020. Houve 1.350 vítimas, um aumento de cerca de 1% em relação ao ano anterior.
15% dos homicídios de mulheres cometidos por companheiros ou ex não foram classificados como feminicídio em 2020, diz Anuário
E o número de agressões é ainda mais elevado, já que, historicamente, a violência doméstica tem uma alta subnotificação.
“Muitas mulheres passam por essa situação de violência e não têm coragem de denunciar, então não é um número real que chega na delegacia. A gente sabe que tem situação não registrada, mas a gente tem que continuar nesse enfrentamento da melhor maneira possível”, diz a delegada Renata Matias.
Rita de Cássia, da Casa Help, também afirma que há muita subnotificação, já que, na sua rotina, recebe muitos pedidos de ajuda de mulheres que não fizeram boletim de ocorrência, nem procuraram órgãos de segurança.
“A gente percebe que o reflexo da violência é muito maior [do que o número oficial]. Você pode pôr aí três vezes o que é apresentado. O número é altíssimo”, afirma.
Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, ainda destaca que, “se a tecnologia pode agilizar o pedido de ajuda para milhares de mulheres, também é excludente na medida em que um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet”. “Soma-se a este contingente as mulheres analfabetas, as portadoras de algum tipo de deficiência, e teremos ainda milhares de mulheres à margem da política pública.”
“Com equipamentos estatais especializados ainda muito concentrados nas capitais e regiões metropolitanas, mulheres que vivem longe dos grandes centros urbanos encontram enormes obstáculos para acessar a justiça”, diz Samira Bueno.
Segundo Rita, grande parte das vítimas desconhece os seus direitos e os deveres dos órgãos públicos. “Por isso que elas se mantêm anos e anos dentro dessa estrutura de violência. Elas têm medo do que vai acontecer com elas quando saírem de casa, desempregadas, com as crianças e sem nenhum recurso financeiro”, diz.
Sem saída
Maria, de 36 anos, era uma das mulheres que não sabiam que tipo de ajuda ela poderia ter dos órgãos públicos — nem da existência de um instrumento como a medida protetiva. Ela viveu durante anos sendo abusada e agredida por um homem que, sempre que tinha a chance, falava que, se ela o denunciasse para a polícia, nada iria acontecer.
“Ele falava assim: ‘Não adianta você querer pedir ajuda, não vai dar em nada. Aqui do lado da minha casa, morreu uma moça esfaqueada, o homem arrastou a moça com o carro e não aconteceu nada. Você acha que com você vai acontecer?’”, conta. “Os homens acham que, na pandemia, ninguém vai fazer nada, a polícia não vai fazer nada.”
Mesmo assim, Maria já tinha pensado em ir a uma delegacia — mas nunca conseguiu porque o agressor não deixava que ela saísse sozinha de casa. “Eu sempre saía com ele. Até para ir ao banco para receber auxílio, ele sempre estava junto”, diz.
Por isso, Maria achava que não tinha saída para a sua situação. “Ele bebia muito. E, toda vez que eu procurava para conversar, era pé de briga. Me proibia de ir para a igreja, me proibia de sair, de usar roupa curta, maquiagem. Infelizmente, eu acabava me sentindo culpada”, diz.
Sua angústia com a situação aumentava quando o seu filho de 10 anos lhe pediu para deixar o homem.
“Ele pediu para mim: ‘Mãe, você não pode ficar nessa vida, mãe. Se a senhora não fizer nada, eu vou pedir ajuda”, conta Maria.
Além de também ser agredido pelo homem, a criança ainda presenciava os estupros a que Maria era submetida. “Não foi uma, não foram duas, não foram três, foram várias sessões. Vários momentos que meu filho presenciou isso. E, quando eu não fazia, eu apanhava.”
E foi exatamente por meio do seu filho que Maria encontrou uma saída. Ao saber sobre a situação de violência doméstica na casa da criança, a escola procurou Maria e lhe ofereceu ajuda. Assim, ela conseguiu sair de casa, fazer um boletim de ocorrência, pedir uma medida protetiva e conseguir abrigo.
“Se a escola não entrasse em questão e falasse que eu ia estar denunciando, acho que eu estaria ainda lá ou talvez não estaria viva”, diz Maria.
Leia o depoimento completo de Maria e de outras mulheres que conseguiram denunciar a violência doméstica durante a pandemia.
Violência contra a mulher: saiba como denunciar ou ter assistência
Agredidas, assassinadas
São inúmeros os casos de violência contra a mulher. Uma dessas histórias, com fim trágico, foi o assassinato a facadas da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ). O autor do crime foi o ex-marido dela, o engenheiro Paulo José Arronenzi. Viviane foi morta na frente das três filhas do casal na véspera do Natal, em 24 de dezembro de 2020.
Antes de ser morta, a juíza já havia feito boletim de ocorrência de lesão corporal e ameaça contra o ex-marido, que foi enquadrado na Lei Maria da Penha. Depois, ela conseguiu uma medida protetiva, e o ex-marido ficou proibido de se aproximar. Ela também chegou a ter escolta policial concedida pelo TJ-RJ, mas pediu para retirá-la posteriormente.
Juíza foi assassinada a facadas pelo ex-marido na Barra da Tijuca, no Rio, mesmo após ter feito BO, conseguido medida protetiva e também garantido escolta policial
Reprodução com montagem de Guilherme Gomes/G1
Em 11 de julho deste ano, outro caso de violência contra a mulher chocou a população. O DJ Ivis, nome artístico de Iverson de Souza Araújo, aparece agredindo a ex-mulher em vídeos gravados dentro do apartamento, em Fortaleza. Isso ocorre, inclusive, até quando Pamella Holanda ainda está próxima da filha do casal, de 9 meses. DJ Ivis foi demitido da produtora e, depois, também foi preso. Spotify e Deezer excluíram suas músicas da plataforma.
“Eu me calei por muito tempo! Eu sofria com minha filha, sem apoio até dos que diziam estar ali pra ajudar, que eram coniventes e presenciavam tudo calados sem interferir com a desculpa que eu tinha que aguentar calada porque era o ‘jeito dele’, era esse o ‘temperamento dele’ e que se eu quisesse viver com ele, teria que me sujeitar e ser submissa. Não se calem!!! Não se calem jamais!!! Eu não vou me calar!”, escreveu Pamella no Instagram, após divulgar os vídeos.
Em 17 de julho, o músico pediu desculpa e reconheceu que “errou”.
DJ Ivis foi preso após ex-mulher divulgar vídeos em que o músico a agredida dentro do apartamento do casal, em Fortaleza
Reprodução/Internet com montagem de Guilherme Gomes/G1
Medidas negadas e revogadas
Apesar de o país ter registrado alta no número de medidas solicitadas e concedidas, o aumento de medidas negadas também chama a atenção. O número cresceu na mesma proporção que o aumento de pedidos: 14%. Cerca de 15,5 mil solicitações foram negadas no primeiro semestre deste ano, contra 13,7 mil no mesmo período de 2020.
Rita afirma que, na sua rotina de ajuda às vítimas, têm visto muitos casos serem negados ou nem mesmo respondidos. “Vou citar um caso recente. Ela trabalhava, mas perdeu o emprego por causa do agressor. Era agredida fisicamente, moralmente e tudo o mais”, conta.
“Nós fizemos o boletim de ocorrência e pedimos a medida. Já vai fazer mais de 25 dias e ela não recebeu a medida. Entende-se que o juiz negou. E o que aconteceu? Ela voltou para casa e apanhou mais duas vezes. Não chamou a polícia, pois ela já tinha ido na delegacia pedir socorro, mas ela não teve o socorro, não teve a medida.”
Rita conta que, por causa do medo da violência, a mulher procurou integrantes de um grupo criminoso do seu bairro para conseguir proteção. “Ela foi atrás do crime para sobreviver e não chegar no feminicídio. É triste, pois ela se sentiu abandonada pelos órgãos públicos”, diz Rita.
Não é possível saber exatamente quantas medidas seguem sem ser julgadas, mas é possível ter uma ideia, já que foram feitos aproximadamente 193 mil pedidos de medida no primeiro semestre deste ano, com 153,4 mil concessões e 15,5 mil não concessões.
Clique no estado para ver os números do primeiro semestre, por tipo de medida:
Essa relação, porém, não é exata. Isso porque pedidos feitos em um mês podem ser julgados em outro. “Um pedido feito em dezembro de 2019 pode ter sido deferido em janeiro do ano seguinte. Nesse caso, ele não foi iniciado em 2020, apenas concedido naquele ano”, explica o TJ-MG. Por isso, não é possível fazer a relação direta entre o total de medidas solicitadas e o total de medidas concedidas no período analisado por este levantamento.
Quatro estados tiveram mais de 90% de aumento entre as medidas protetivas que foram negadas: Acre (525%), Amapá (133%), Pará (92%) e Rondônia (107%).
Questionado sobre o aumento, o TJ-RO informa que “cada caso é apreciado individualmente” e que são “decisões judiciais que estão sob sigilo”. Contatados, os tribunais dos outros estados não se pronunciaram.
Outro dado que chama bastante a atenção é o aumento de medidas revogadas — mais de 40%. As maiores altas foram encontradas no Rio Grande do Norte (648%) e no Tocantins (821%).
O TJ-RN diz que os Juizados de Violência Doméstica do estado realizaram uma checagem e constataram a existência de medidas protetivas antigas e paralisadas. “Após consulta às vítimas, nesses casos antigos e nas situações em que elas apontaram que não tinham interesse na permanência da medida protetiva, estas foram revogadas”, afirma o tribunal em nota.
O tribunal ainda explica que as medidas protetivas de urgência têm uma natureza provisória, sendo necessárias enquanto existir a situação de risco para a mulher. Como as medidas também constituem uma restrição de direitos fundamentais contra a pessoa que está sendo alvo, quando é verificado que a vítima não está mais em situação de risco, a medida protetiva deve ser revogada, diz o tribunal.
Já no caso do Tocantins, a juíza Cirlene Maria de Assis Santos Oliveira, coordenadora estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do estado, afirma que uma mudança técnica na parametrização das decisões judiciais “provocou um equívoco na quantidade de extinção/revogação de medidas protetivas no primeiro semestre de 2020”.
Mas ela também destaca que há situações em que as medidas protetivas de urgência são estabelecidas com prazo fixo e, quando esse prazo acaba, as medidas são revogadas.
Alagoas e Paraíba: efeitos da quarentena
Apesar da alta de 14% no número de medidas solicitadas, alguns estados também chamaram a atenção por terem registrado um aumento ainda mais acentuado.
Alagoas, por exemplo, teve uma alta de 64% — foram 764 medidas protetivas no primeiro semestre deste ano, contra 467 no ano passado. Segundo o desembargador Tutmés Airan, que está à frente da Coordenadoria da Mulher do TJ do estado, esse índice tem algumas explicações importantes. “A primeira explicação é, realmente, constatar o óbvio, que é o aumento da violência contra a mulher, mesmo com as medidas restritivas da pandemia diminuindo”, afirma.
Os outros motivos, de acordo com ele, têm relação com a rede de atendimento.
“Eu quero crer que as mulheres estão cada vez mais encorajadas, mais empoderadas e dispostas a trazer à tona a violência de que são vítimas. (…) O atendimento à mulher melhorou como um todo e, melhorando, a mulher acredita mais nas instituições, acredita mais que as suas demandas terão a devida resposta”, diz o desembargador.
A Paraíba também teve um aumento expressivo, de 76%. A juíza Anna Carla Falcão Cunha Lima, coordenadora da Mulher do TJ-PB, diz que o índice é alto por causa da “grande quantidade de pedidos das próprias vítimas” e por conta dos diferentes contextos do ano passado e deste ano.
Ela afirma que, em 2020, as vítimas tinham mais dificuldade para conseguir pedir ajuda.
”As vítimas de violência contra a mulher estavam mais próximas de seus alvos, convivendo com os mesmos durante a maior parte do dia, e as medidas restritivas de locomoção encontravam-se mais rígidas. Logo, essas mulheres dificilmente tinham como justificar alguma saída que, em verdade, servisse para denunciar e, por conseguinte, pedir a concessão das medidas protetivas”, diz Lima.
Já em 2021, a situação mudou. “Houve uma maior flexibilização dos decretos governamentais e municipais, o que refletiu na possibilidade de a mulher poder sair mais facilmente do lar em busca de sua proteção e, assim, ocorreu um acréscimo no quantitativo de pedidos de medidas protetivas”, diz.
“Além disso, a coordenadoria de violência doméstica e familiar contra a mulher do Tribunal de Justiça da Paraíba implantou, a partir deste ano, meios de acesso mais simples e discretos que têm sido colocados à disposição das vítimas como forma destas denunciarem e buscarem, de forma mais efetiva, os seus direitos.”
Medidas dos TJs
O G1 também perguntou aos Tribunais de Justiça se, durante a pandemia da Covid-19, foram lançados projetos voltados para o combate à violência contra a mulher ou se algum procedimento foi modificado para facilitar o acesso da vítima a mecanismos de proteção. As medidas mais citadas pelos tribunais foram:
Agilizar a análise dos pedidos de medida protetiva, orientar os magistrados para prorrogar medidas já concedidas e também julgar pedidos mesmo quando ainda não há boletim de ocorrência;
Articular com a Polícia Civil e outros órgãos, como Defensoria Pública e Ministério Público, o boletim de ocorrência virtual e também permitir ali a solicitação de medida protetiva de urgência;
Oferecer atendimento para as vítimas e promover discussões sobre o assunto, além de divulgar iniciativas de parceiros sobre o tema, como canais de denúncia;
Participar de campanhas para divulgar informações sobre a violência contra a mulher, como a “Campanha Sinal Vermelho”, lançada em junho de 2020 pelo CNJ e pela AMB, e publicar guias com orientações para as vítimas;
Oferecer curso virtual para magistrados e servidores sobre violência contra a mulher.
Campanha do Conselho Nacional de Justiça e da Associação dos Magistrados Brasileiros tenta ajudar vitimas que têm dificuldade de denunciar o agressor ou de buscar ajuda, porque estão o tempo todo em sua companhia
Reprodução/CNJ e AMB com montagem de Guilherme Gomes/G1
Transparência
O levantamento do G1 durou mais de dois meses para ser concluído. Os dados foram solicitados via Lei de Acesso à Informação e também foram pedidos às assessorias de imprensa dos Tribunais de Justiça.
Além da demora e da falta de padronização nas respostas, três estados não enviaram as informações completas.
Goiás apenas enviou os dados completos de medidas protetivas solicitadas. Em relação aos dados de medidas concedidas, o TJ-GO afirma que, entre o primeiro semestre do ano passado e o primeiro semestre deste ano, houve uma mudança técnica no sistema, o que impossibilita a extração dos números seguindo os mesmos parâmetros. Por isso, os dados não são comparáveis. Além disso, não foram informados os números de medidas negadas e revogadas.
Mato Grosso do Sul também não enviou os dados de medidas protetivas solicitadas. Em sua justificativa para não enviar os dados, o TJ-MS afirma que seguiu o glossário estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça CNJ e que “não consta do glossário de parametrização critério específico para pesquisa”.
Já o Rio Grande do Sul não disponibilizou as informações de medidas negadas e revogadas. O TJ-RS diz que sofreu “um ataque hacker” recentemente e que “o departamento de tecnologia da informação priorizou a retomada completa dos serviços judiciais e agora está retomando a conferência dos dados históricos.’’
Para evitar que o levantamento tivesse distorções entre as categorias de medidas protetivas, nenhum dado desses estados foi considerado.
Além disso, há disparidades entre os dados fornecidos ao G1 e dados já divulgados. Em julho, o FBSP lançou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública com dados de medidas protetivas para os anos de 2019 e 2020 — números que o G1 também solicitou. Diante de grandes diferenças entre os números informados ao FBSP e ao G1, alguns estados foram questionados.
No caso do Distrito Federal, por exemplo, o anuário informa um total de 9.192 medidas protetivas solicitadas em 2020, contra 15.423 informadas ao G1. A assessoria de imprensa apenas informou que as informações repassadas ao G1 estão corretas, sem explicar a diferença em relação aos dados informados ao FBSP.
Questionado, o TJ-AP informou não saber “precisar o motivo da disparidade dos dados fornecidos por este Tribunal e o que foi publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em seu anuário, uma vez que este tribunal só se responsabiliza pelos dados fornecidos”.
Já o TJ-SE afirma que fez uma revisão da parametrização utilizada para levantar os dados. Assim, os novos parâmetros revisados foram utilizados para responder ao G1, sendo que as informações repassadas ao Fórum ficaram “prejudicadas”.
*Os nomes são fictícios para proteger a identidade das vítimas.
Participaram desta etapa do projeto:
Coordenação: Thiago Reis
Dados, pesquisa e edição: Clara Velasco, Felipe Grandin, Gabriela Caesar e Thiago Reis
Reportagem (vídeo): Clara Velasco
Produção (vídeo): Clara Velasco
Imagens (vídeo): Henrique Pinheiro
Edição de imagens (vídeo): Henrique Pinheiro
Artes (vídeo): Élcio Horiuchi
Edição (infografia): Guilherme Gomes
Design: Élcio Horiuchi
Lei Maria da Penha: pedidos de medidas protetivas aumentam 14% no 1º semestre de 2021 no Brasil; medidas negadas também crescem
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