Zagallo, 90 anos: as declarações inesquecíveis do Velho Lobo

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Mário Jorge Lobo Zagallo ainda aparentava visível dificuldade para retomar o fôlego na altitude de mais 3.700 m de La Paz, na Bolívia, após o apito do árbitro final do uruguaio Jorge Nieves, na noite de 29 de junho de 1997, quando iniciou a fala sobre o título da Copa América que acabara de conquistar com a seleção brasileira, vencendo os anfitriões por 3 a 1.

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Nos segundos de pausa que precisou fazer para retomar o ar, ouviu por duas vezes: “respira, Zagallo. Respira, Zagallo” dos jornalistas presentes. Com dedo em riste, apontado para a televisão, mandou então o recado que desejava: “é para você. Vocês sabem quem são, não preciso dizer mais nada. Vocês vão ter que me engolir”.

A declaração é só um traço da personalidade de Velho Lobo. Nesta segunda-feira, 9, o ex-jogador e ex-treinador completa 90 anos com, pelo menos, dois terços de vida dedicados ao futebol.

Quando jovem, testemunhou de pé o histórico Maracanazzo, a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa de 1950. Ele fazia a segurança como militar da Polícia do Exército no estádio.

Fez história como jogador do Botafogo, bicampeão mundial com a seleção brasileira nas Copas de 1958 e 1992, mas se tornou quase imortal com as conquistas como treinador: o tricampeonato do mundo de 1970, no México, e, 24 anos depois, como coordenador técnico, auxiliou Carlos Alberto Parreira na campanha do tetra.

Ainda esteve no vice da Copa seguinte, na França, em 1998, marcada pela polêmica decisão de corte do atacante Romário, e na de 2006, novamente ao lado de Parreira. Fifa, CBF, clubes de todo o país prestaram homenagens. A PLACAR recorda a história com algumas de suas frases inesquecíveis:

Zagallo comemorando a Copa América –Alexandre Battibugli/Placar

“Vocês vão ter que me engolir”

A declaração foi um desabafo claro e um recado indireto direcionado a jornalistas por críticas acumuladas no período de preparação da seleção para a Copa América. Anos depois, Zagallo deu nome a quem direcionou o recado: “Estavam fazendo uma onda muito grande para colocar o Luxemburgo no meu lugar, e partiu do [Juca] Kfouri e do Juarez Soares, e eu não podia falar nada, tinha que esperar acontecer, e aconteceu: o título veio, e aí eu dei uma explosão. Foi uma resposta indireta para eles”, disse em entrevista ao UOL, em 29 de junho de 2017.

O treinador estava pressionado no cargo pelas recentes derrotas por 4 a 2 para a Noruega e por uma participação discreta no Torneio da França, que reuniu os franceses, a Itália e a Inglaterra. O Brasil se despediu com atuações contestadas e uma única vitória diante dos ingleses no jogo de despedida, campeões daquela edição. O título da Copa América foi a redenção do treinador, que permaneceu no cargo até o fim da Copa da França, em 1998.

Ao lado de Rivellino durante a Copa de 1974 –Lemyr Martins/Placar

“Holanda é muito tico-tico-no-fubá, que nem o América dos anos 50”

A frase de Zagallo, as vésperas do encontro com a seleção holandesa na Copa da Argentina, em 1974, reverberou por décadas. Questionado sobre o sucesso do adversário, não titubeou em responder que a equipe liderada por Johan Cruyff e Rinus Michels era superestimada pelo excesso de passes trocados. A comparação foi com o América, da década de 1950, que perdeu justamente em 50 ano um campeonato considerado ganho.

Na ocasião, liderou o Carioca com sobras, mas derrotas inesperadas nos três últimos jogos para Bangu, Botafogo e Vasco culminaram com o vice-campeonato. Nesta mesma década o clube venceu Peñarol, base da seleção uruguaia, em Montevidéu. Na mesma entrevista, ainda chamou Cruyff de Crush, refrigerante popular da época. A seleção perdeu por 2 a 0 para os holandeses, com um gol de Cruyff, que terminaram a Copa com o vice-campeonato, perdendo para a Argentina na final.

Zagallo ao lado de Parreira no ‘último ato’ pela seleção –Alexandre Battibugli/Placar

“Eles não acham o Saddam Hussein, nem o Bin Laden. Acharam o Zagallo”

A resposta de Zagallo, então coordenador técnico da seleção, foi carregada de ironia após ser interrogado pela polícia de imigração americana ao fazer uma escala em Los Angeles, antes de seguir para o México, onde o Brasil jogaria um amistoso. O fato aconteceu por portar um passaporte com visto da Arábia Saudita, onde trabalhou no Al-Hilal e na seleção local.

Na ocasião, o técnico não perdoou o fato do país não ter conseguido prender o ex-ditador iraquiano Saddam Hussein e o saudita Osama Bin Laden, um dos principais líderes do grupo fundamentalista islâmico Al Qaeda, responsável pelos atentados terroristas de 11 de setembro.

13, o número da vida de Zagallo –Renato Pizzutto/Placar

“Brasil campeão e Argentina vice têm 13 letras”

Após a conquista da Copa América de 2004, contra a Argentina, decidida nos pênaltis depois de um tumultuado empate por 2 a 2 no tempo regulamentar, a vitória emblemática teve uma explicação: o 13. O número é como um fascínio para o Velho Lobo. Mora no 13º andar, a placa de seu carro é 0013, foi campeão do mundo pela primeira vez em 1958 (5 + 8 = 13) e, pela última vez, em 1994 (9 + 4 = 13). Roberto Baggio, famoso pelo pênalti que culminou no tetracampeonato mundial para o país, também tem 13 letras. Em sua última aparição em Copas, o país estreou contra a Croácia em 13 de junho.

Na ocasião, a seleção empatou no último segundo da partida, com Adriano Imperador. Nos pênaltis, viu Andrés D’Alessandro e Gabriel Heinze desperdiçarem as cobranças. Vitória por 4 a 2.

Zagallo durante partida contra a Holanda em 1998 –Pisco Del Gaiso/Placar

“Foi uma derrota rumo ao penta”

Após perder para a Noruega por 4 a 2, em 30 de maio de 1997, Zagallo tentou esfriar a pressão dizendo que a derrota moldaria a seleção brasileira para a conquista do pentacampeonato. Ele resistiu até a Copa, chegou a final, mas acabou sucumbindo por 3 a 0 na decisão para a França, marcada pela polêmica convulsão de Ronaldo e a atuação decisiva de Zinedine Zidane, autor dos dois primeiros gols franceses. A conquista da quinta estrela chegou só na Copa seguinte, na Coréia do Sul e no Japão, com Luiz Felipe Scolari.

“Entrou porque entrou, p…!”

Em resposta ríspida a jornalistas quando questionado porque Ronaldo entrou na partida contra a França, em 12 de julho de 1998. Nervoso pela derrota, iniciou um embate com a imprensa. Zagallo concluía a resposta da pergunta anterior, quando foi interrompido e questionado sobre o assunto. “Por que entrou?” “Entrou porque entrou. Entrou porque entrou, p… eu estou dando um troço e você quer detonar, p… vocês querem sempre ao contrário agora? Estou aqui explicando um negócio em alto nível e vocês querem baixar o nível”. A discussão se alongou até Zagallo levantar da cadeira e completar: “vocês devem muito a mim. Estou aqui porque eu sou homem. Eu tenho dignidade moral para falar isso”. A entrevista foi encerrada na sequência.

Zagallo, personalidade inconfundível –Alexandre Battibugli/Placar
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