IA, redes sociais e a dificuldade de estabelecer diretrizes para a tecnologia

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O governo brasileiro pretende estabelecer novos padrões para os desafios impostos pelo ambiente de redes sociais e o crescimento do uso de inteligência artificial por meio de diferentes projetos de lei em tramitação no Congresso.

Na última quinta-feira (4), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, propôs um novo marco regulatório para a IA no país, que precedeu um esforço semelhante anunciado pouco depois pelo presidente dos EUA, Joe Biden. O governo do Reino Unido também acaba de lançar uma revisão inicial sobre a IA para avaliar seu impacto sobre consumidores, empresas e a economia.

Em consonância com algumas das discussões globais sobre tecnologias emergentes, esses tópicos estão gerando debates acalorados.

“Acho que esse é um dos temas mais importantes hoje em dia. Também estamos atentos à evolução da tecnologia e da demanda das empresas”, disse à BNamericas Cláudio Stopatto, gerente-geral do Infrastructure Solutions Group (ISG) da Lenovo no Brasil, sobre o uso crescente de IA.

O ISG da Lenovo é um dos principais fabricantes de servidores para processamento de informações em datacenters. Algumas estimativas do setor apontam que novas ferramentas avançadas de IA exigirão de 10 a 100 vezes mais capacidade de processamento, o que terá impactos claros sobre o espaço de armazenamento e o consumo de energia.

Apostando na evolução da IA, a Lenovo vem investindo em servidores mais potentes e compactos, inclusive para o mercado brasileiro, lembrou Stopatto.

Indo além da questão da infraestrutura, alguns dos tópicos mais urgentes em sistemas avançados de IA giram em torno de propriedade intelectual, vieses do sistema, impactos sobre o emprego, proteção de dados e soberania de dados. No Brasil, sistemas avançados de IA, como o ChatGPT, dominaram o debate no evento de tecnologia WebSummit, realizado de 1 a 4 de maio no Rio de Janeiro.

A proposta do senador Pacheco é uma tentativa de abordar algumas dessas questões.

O projeto de lei é baseado em cinco tópicos centrais para IA: princípios, direitos dos afetados, classificação de risco, obrigações e requisitos de governança e supervisão e responsabilidade.

“Ao dispor de ferramentas de governança e de um arranjo institucional de fiscalização e supervisão, [o projeto de lei] cria condições de previsibilidade acerca da sua interpretação e, em última análise, segurança jurídica para inovação e o desenvolvimento econômico-tecnológico”, argumentou Pacheco.

A proposta é resultado de recomendações de um grupo de trabalho criado em 2022 e reúne vários projetos de lei já apresentados no Congresso em um único marco regulatório para a inteligência artificial.

O texto visa estabelecer normas gerais para o “desenvolvimento responsável” e a implementação de “sistemas seguros para ferramentas que envolvem tecnologia no Brasil”, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais, de acordo com os motivos apresentados para justificar sua apresentação.

Entre outras coisas, afirma a necessidade de as empresas oferecerem informações prévias sobre as interações com os sistemas de IA, bem como a explicação das decisões ou recomendações que fizerem, dando ao usuário o direito de contestá-las e solicitar intervenção humana, se necessário.

O texto também estabelece que indivíduos não podem ser discriminados por sistemas de IA, um ponto delicado, embora vago em termos práticos.

A proposta de Pacheco garante, ainda, que os fornecedores ou operadores de IA que causem danos patrimoniais, morais, individuais ou coletivos sejam obrigados a repará-los integralmente, “independentemente do grau de autonomia do sistema”.

Também descreve a definição de um órgão de supervisão de IA vinculado ao Poder Executivo do governo, bem como a responsabilização das empresas. Ainda não há data para votação da proposta.

O uso generalizado de IA gerou preocupações com vieses e a substituição da força de trabalho humana por máquinas, embora a questão trabalhista não seja abordada diretamente no projeto de lei de Pacheco.

De acordo com a IDC, em 2027, cerca de 50% das 5.000 maiores empresas da América Latina “continuarão a enfrentar riscos materiais devido à relutância dos trabalhadores da linha de frente e dos líderes empresariais em confiar em ações iniciadas por sistemas tecnológicos autônomos verificados”.

O CEO da IBM, Arvind Krishna, também estimou que 30% das funções não voltadas para o cliente podem ser eliminadas nos próximos cinco anos.

Segundo o executivo, a IBM vai congelar as contratações, já que espera que cerca de 7.800 postos de trabalho sejam substituídos por IA nos próximos anos.

REDES SOCIAIS

O debate local sobre mídias sociais é muito mais controverso do que aquele que envolve a IA, pelo menos por enquanto.

Após intensa pressão do Google e forte oposição de um bloco de parlamentares evangélicos, o chamado “Projeto de Lei das Fake News”, que deveria ser votado esta semana, foi adiado pelo presidente da Câmara, Artur Lira, até que haja maior consenso.

O texto já foi aprovado pelo Senado em 2020, mas recebeu diversas emendas posteriores na Câmara dos Deputados.

Em geral, aqueles que se opõem ao projeto argumentam contra o que afirmam ser “censura” e riscos à liberdade de expressão. Os apoiadores citam a necessidade de haver maior responsabilização e transparência das plataformas de mídias sociais, além de moderação de conteúdo, diante de mensagens de apoio a revoltas ou atos violentos.

“O projeto prevê mecanismo importante para trazer mais transparência e controle do usuário sobre a moderação de conteúdos” das plataformas, disse Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet Brasileira (CGI.br), em artigo.

“O devido processo estabelece o direito do usuário contestar remoções, recebendo justificativa adequada sobre a decisão e prazo para a plataforma analisar o pedido de revisão de uma moderação feita de forma indevida, o que protege a liberdade de expressão”, apontou.

Na opinião do advogado Alexander Coelho, especialista em direito digital e proteção de dados, o ordenamento jurídico existente no país já possui as ferramentas necessárias para lidar com algumas das questões apontadas.

Segundo ele, o Marco Civil da Internet do país e outras disposições legais são capazes de impedir a disseminação de conteúdo nocivo.

“Isso tudo se soma também à autorregulação dos provedores de aplicação”, acrescentou ele em um comunicado. Coelho é membro da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB de São Paulo.

Entidades do setor de tecnologia, como a associação de TIC Brasscom e a associação eletroeletrônica Abinee, entre outras, destacaram em carta conjunta suas preocupações com a “segurança jurídica e a harmonização com as normas vigentes”, sobretudo em relação aos dados pessoais.

“Independentemente da importante discussão sobre novas normas que visem combater a disseminação de informações falsas na internet, que é um problema mundial, é preciso mitigar o risco de dispositivos que possam gerar insegurança ao longo e maduro debate que resultou na aprovação da LGPD [legislação de proteção de dados] e da criação e competências da ANPD [órgão nacional de controle de proteção de dados]”, completa a carta.

A indústria de publicidade digital também se opõe ao projeto, em especial no que diz respeito ao pagamento por conteúdo jornalístico compartilhado nas redes sociais e às novas regras para anúncios.

“Nós estamos tendo acesso a textos extraoficiais que nos causam preocupações por trazerem definições sobre mídia programática, novas responsabilidades comerciais, regras para negócios e empresas estrangeiras, entre outros pontos que afetam a operação de muitos dos nossos associados e do mercado publicitário de forma geral”, disse o grupo da indústria de publicidade digital IAB Brasil.

O setor de infraestrutura de telecomunicações, por outro lado, está mais preocupado com questões tributárias envolvendo grandes empresas de tecnologia, que não são abordadas diretamente no texto do projeto de lei.

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