20 anos do Facebook: de rede de amigos para a da manipulação

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O Facebook, a maior rede social do mundo, completa 20 anos neste ultimo domingo (04/02). Mais de 3 bilhões de pessoas estão ativas em suas páginas pelo menos uma vez por mês, o que significa mais de um em cada três habitantes do planeta.

É uma história de sucesso. Mas o clima de comemoração foi ofuscado para o fundador da plataforma, Mark Zuckerberg. Apenas alguns dias antes do aniversário, Zuckerberg foi confrontado com críticas incisivas em uma audiência no Senado dos EUA sobre a proteção inadequada de crianças e jovens nas principais plataformas da internet.

“Você tem sangue em suas mãos”, gritou o senador republicano Lindsey Graham. “Você tem um produto que mata pessoas.”

“Suas decisões de design, seu fracasso em investir adequadamente em confiança e segurança, sua busca constante pela lealdade à plataforma e pelo lucro em vez da segurança básica colocam em risco nossos filhos e netos “, acusou o democrata Dick Durbin, líder da maioria no Senado americano.

Corresponsabilidade por crise de saúde mental

Os perigos da mídia social vêm sendo tema de ampla discussão. Nos EUA, as plataformas são apontadas como parcialmente responsáveis por uma crise na saúde mental dos jovens. Em maio de 2023, Vivek Murthy, médico e chefe do serviço de saúde pública dos EUA, publicou uma recomendação especial para as mídias sociais. Nela, Murthy adverte que há “ampla evidência de que ela pode afetar severamente a saúde mental e o bem-estar de crianças e adolescentes”.

Psicólogo alemão e pesquisador do Instituto Max Planck em Berlim, Gerd Gigerenzer diz que o problema não se resume apenas ao fato de que cada vez mais pessoas estão tendo dificuldade para se concentrar. “Alguns estudos mostram que a insegurança, a falta de autoestima, a depressão e até mesmo os pensamentos suicidas aumentaram”, afirma o especialista em entrevista à DW.

Nos EUA, por exemplo, esses sinais podem incluir o aumento da taxa de suicídio entre pessoas com idade entre 10 e 25 anos, que cresceu 60% na década entre os anos 2011 e 2021.

Esperança no início

O Facebook começou de forma bastante inofensiva nos primeiros dias da revolução digital, quando a internet prometia transparência e participação. Enquanto a mídia tradicional funcionava no molde “um se comunica com muitos”, essa nova comunicação de “todos com todos” parecia trazer mais liberdade, participação e democracia. O Facebook era uma rede social empolgante, na qual era possível encontrar rapidamente pessoas com os mesmos interesses, compartilhar suas fotos das férias e manter-se atualizado sobre o que seus amigos estavam fazendo.

“No início, o Facebook tinha uma autoimagem bastante altruísta: as pessoas achavam que conectar pessoas tornaria o mundo um lugar melhor”, afirma o cientista de mídia berlinense Martin Emmer.

É uma rede com consequências de longo alcance. Um exemplo foram as revoltas durante a Primavera Árabe em 2011, que inicialmente foram caracterizadas por grandes esperanças e às vezes foram chamadas de “revoluções do Facebook” devido ao papel da rede na organização de manifestações e de resistência.

O Facebook, especialmente em conjunto com o rápido desenvolvimento do smartphone, ofereceu a satisfação de uma necessidade humana antiga no mais alto nível tecnológico.

“Os seres humanos são seres sociais”, explica Emmer. “E essas plataformas conseguiram algo que nenhuma outra mídia conseguia antes: elas permitem que nos conectemos com outras pessoas em muitos níveis diferentes e que participemos das vidas dos outros, estabelecendo uma rede de contatos de acordo com os diferentes tipos de amigos.”

Entre empoderamento e privação de direitos

No entanto, o fornecimento da infraestrutura de rede tem um preço, e os usuários pagam em dobro: com seus dados e com sua atenção.

A atenção é um bem escasso. Os anunciantes ficam felizes em gastar dinheiro com isso. Especialmente quando as mensagens podem ser direcionadas especificamente a clientes em potencial graças a perfis repletos de informações precisas sobre seus donos. É por isso que os operadores de plataforma coletam o máximo possível de dados de seus usuários, com cada curtida fornecendo outro ponto de dados. E com o conhecimento detalhado dos interesses, gostos e desgostos dos usuários, suas linhas do tempo são inundadas com conteúdo que os mantém na plataforma pelo maior tempo possível.

Durante muito tempo, o impacto desse conteúdo sobre os indivíduos e a sociedade não foi levado em consideração pelos operadores da plataforma. A crescente polarização da sociedade, a brutalização cada vez maior das discussões políticas, a disseminação das mais loucas teorias da conspiração – tudo isso está associado ao Facebook e seus parceiros.

Com seu poder de comunicação, as redes sociais também podem ser usadas indevidamente para fins políticos. Em 2016, foram feitas alegações de que a Rússia havia usado o Facebook para influenciar o resultado da eleição presidencial dos EUA. Dois anos depois, o Facebook se envolveu no escândalo da Cambridge Analytica: em grande parte sem o conhecimento de seus usuários, a empresa analisou dados de cerca de 50 milhões de perfis do Facebook, com o objetivo de influenciar o comportamento dos eleitores com mensagens altamente personalizadas. Os grupos Stop the Steal no Facebook também desempenharam um papel nas eleições de 2020 nos EUA e na lenda espalhada por Donald Trump de que a eleição teria sido fraudada.

Superano eleitoral de 2024

Em 2024 teremos um superano eleitoral. Cidadãos de países onde vive mais da metade da população mundial irão às urnas: na Índia e na Indonésia, no Paquistão e na Rússia, na União Europeia (UE) e nos EUA.

O cientista da computação e crítico de tecnologia americano Jaron Lanier está preocupado: “Haverá mais deepfakes por meio da inteligência artificial e outras novas aplicações da tecnologia para manipular as pessoas. E acho que muitas pessoas não estarão preparadas para isso”, afirma o autor do livro Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais, de 2018.

Lanier vê como positivo o fato de que muitas pessoas estão percebendo lentamente como estão sendo manipuladas. No entanto, adverte: “Não sei se o número delas é suficiente para fazer a diferença.”

Pesquisador de redes sociais do Instituto Max Planck em Berlim, Philipp Lorenz-Spreen concorda que as sociedades têm se deixado levar por tempo demais pelas corporações de dados. “Permitimos que essa Web 2.0, essa internet em que todos podem compartilhar seu conteúdo, se desenvolvesse em uma direção quase puramente comercial por 20 anos; permitimos que essa economia da atenção proliferasse.”

Os políticos estão reagindo

Agora, os políticos acordaram. E estão tentando recuperar o tempo perdido na corrida com os gigantes da tecnologia.

Em 2022, a UE aprovou a Lei dos Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês). Um dos objetivos é remover conteúdo ilegal mais rapidamente – discurso de ódio, por exemplo e proteger melhor os direitos fundamentais dos usuários, incluindo a liberdade de expressão.

Graças à DSA, os pesquisadores também devem finalmente ter acesso aos dados dos gigantes da internet. Lorenz-Spreen está muito satisfeito: “Algo está acontecendo na direção da transparência, de modo que podemos até abrir um pouco essa caixa preta e ver como essa máquina funciona”.

Seja como for, ela é altamente lucrativa. A Meta, empresa controladora do Facebook, que também é proprietária do Instagram e do WhatsApp, ganhou tanto dinheiro com publicidade no último trimestre de 2023 que decidiu pagar seu primeiro dividendo aos acionistas no 20º aniversário de sua fundação. Pelo menos para eles haja talvez motivos para comemoração.

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